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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Pequenas e médias lojas invadem os shoppings

Pouco conhecidas,atraídas p/ aluguéis e taxas de condomínio + baratas,marcas tomam o espaço de redes tradicionais. Mas há riscos,alertam especialistas.

O sábado 8 de outubro terá sido, provavelmente, uma data inesquecível para o designer gráfico Rafael Boni Ruschel, 42 anos. Foi quando inaugurou sua primeira loja, a Você Q. Faz, no Eldorado, um dos shoppings mais tradicionais de São Paulo.
Há dois anos, quando teve a ideia de entrar no mercado de roupinhas e acessórios customizados para chá de bebês, inspirado pelas cenas do seriado americano Grey´s Anatomy, ele e sua mulher Priscila não imaginavam que teriam um ponto em um centro de compras deste porte.
 
Até uma semana atrás, a Você Q. Faz atendia os clientes apenas na feirinha de fins de semana do shopping Center 3 e em dois pontos pequenos franqueados para amigos -um na praça Benedito Calixto, em Pinheiros, e outro na Lapa -abertos recentemente.
“Entrei em contato com o Eldorado e, como havia espaços vagos, conseguimos fechar negócio para instalar um quiosque da loja. É nosso primeiro ponto fixo”, diz Ruschel. “A crise abriu espaço para lojistas que atendem às novas demandas dos consumidores.”
O dia 25 de setembro foi igualmente uma data marcante para a economista Jessica de Mauro, de 25 anos. Neste dia, a Dupari, especializada em papelaria, decoração, utilidades e brinquedos, abriu o primeiro ponto de venda em um shopping -no Metrô Itaquera, localizado na zona Leste de São Paulo.
Assim como a Você Q. Faz, a Dupari também nasceu em 2014, só que como uma empresa de atacado no bairro do Pari.
 
“Não sentimos muito a crise, que acabou se transformando em uma oportunidade para crescermos. Com tantos pontos vagos, conseguimos entrar com maior facilidade no shopping”, afirma Jéssica.
Até o final do ano, ela planeja fechar novos contratos para levar a Dupari para mais dois shoppings em Guarulhos e para outro na zona Leste.
Quem costuma circular em shopping centers com olhar de bom observador deve notar que a Você q. Faz e a Dupari são apenas dois exemplos de estabelecimentos comerciais novos que começam a mudar a cara dos centros de compra.
A recessão provocou uma devastação de lojas tanto nas principais ruas de comércio de São Paulo como nos shopping centers. Pequenos, médios e grandes lojistas simplesmente sumiram do mapa. Há pontos comerciais vagos por toda a parte.
A vacância nos shoppings já consolidados -abertos até 2012 -está na faixa entre 7% e 9%. Nos shoppings novos – inaugurados entre 2013 e 2016-, esse percentual é de 45%, em média.
“Há 12 mil imóveis comerciais vagos no país, tendendo a piorar, uma vez que não há mais fila de lojistas esperando por vagas. Além disso, há 58 novos shoppings em construção no país”, afirma Sandro Benelli, consultor de varejo da Enéas Pestana & Associados.
 
Aqueles espaços, antes ocupados por marcas familiares aos consumidores, começam agora a ser tomados por pequenos lojistas ou redes médias, que estão tentando aproveitar a crise para crescer.
“Muitos comerciantes tradicionais estabelecidos em ruas estão sendo convidados para se instalar em shoppings”, afirma Marcos Hirai, sócio-diretor da consultoria GS&MD. “É melhor você ter uma loja não tão conhecida no seu empreendimento do que tapumes.”
Nem bem chegou ao shopping Eldorado, Ruschel diz que já foi procurado por um representante de outro centro comercial grande de São Paulo, interessado em alugar um ponto.
“Os shoppings não querem mais do mesmo”, afirma Ruschel, que já fechou negócio para abrir uma loja em um empreendimento comercial da região da Avenida Paulista.
Diferentemente do que ocorria quando a economia estava em expansão, a negociação de preços de locação nos shoppings está mais flexível. “Em shoppings novos o lojista tem muito mais poder de negociação do que já teve”, diz Ruschel..
 
De acordo com Hirai, com a crise, os preços dos aluguéis em shoppings caíram aproximadamente 20% e em imóveis comerciais nas ruas, entre 30% e 40%, dependendo da região de São Paulo.
“Por necessidade, os operadores de shoppings têm sido mais flexíveis nas negociações”, afirma Bento Guida, sócio da rede Souq. “Antes, todo o risco estava com o varejista. Hoje, as forças estão bem mais equilibradas”
Criada na véspera da crise, em 2013, com o objetivo de vender experiência do chamado lifestile, a Souq, que comercializa de roupas e acessórios a peças de decoração e papelaria, abriu a sua primeira loja no shopping JK.
Três anos e uma crise depois, a rede possui 15 pontos de venda em shoppings espalhados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minais Gerais, Rio de Janeiro e Ceará.
No dia 2 de setembro, a Souq fez a sua estreia no shopping Pátio Higienópolis. Na primeira semana de novembro vai abrir as portas no shopping Pátio Paulista.
 
Guida, que é sócio da mãe, a empresária Traude Guida, uma das fundadoras da rede Le Lis Blanc, atualmente controlada por fundos de investimentos, afirma que muitas lojas já estavam há quatro ou cinco anos com dificuldade para operar com lucro.
Com crise, a situação dos comerciantes se agravou devido à combinação de aumento de custos, provocado pela alta da inflação, e queda de faturamento.
“As lojas de maior porte até conseguem fazer um arranjo ao olhar a operação como um todo. As menores, não. É por isso que a rotatividade nos shoppings está alta”, diz Guida.
Nos últimos cinco meses, 16 novas lojas entraram no Boavista Shopping e outras sete devem estrear até o final do ano. Inaugurado em 2004, o shopping, com espaço para 145 pontos comerciais, não tinha até então passado por um movimento tão intenso de troca de marcas.
Até maio passado, o shopping pertencia ao grupo português Sonae Sierra Brasil, que transferiu o controle para os grupos SGPAR e Hannah Engenharia.
 
“O shopping precisava de revitalização. Estamos trazendo marcas que não operavam em São Paulo ou estavam nas ruas. Temos 28 lojas novas com contratos recém- firmados”, diz Thomas Teixeira, gerente-geral do Boavista.
As marcas mineiras Sketch, de roupas masculinas, e a Mardelle, de lingerie, acabam de entrar no shopping, assim como a Casa da Sapatilha e a Carlotta, lojas de rua especializadas em sapatos.
Outros nomes novos no centro de compra são: Abacadraba Games, Ângela (calçados), Digol Sports, Kings Sneakers (vestuário e calçados), Negão do Dog. “Há muitos lojistas sofrendo com a crise, mas para quem está capitalizado, há boas oportunidades”, diz Teixeira.
A Empório K, loja que comercializa multimarcas, é exemplo de empresa que viu oportunidade para crescer na crise. A loja nasceu há dois anos, bem no início da recessão, em uma rua comercial em Embu das Artes (SP).
A ideia era comercializar roupas de marca, como Dudalina, Reserva, John John, a preços acessíveis, como os outlets, para os moradores da região.
O negócio foi tão bem-sucedido que Thiago Pereira da Silva, sócio-proprietário da loja, decidiu ir para o shopping Taboão, onde abriu a sua loja há dois meses.
Para ocupar uma área de 88 metros quadrados, Silva paga para o shopping R$ 26 mil por mês. Neste valor estão incluídos aluguel, condomínio e custos com energia e ar condicionado.
“A crise facilitou o diálogo para a negociação. Mas o comerciante tem de saber que, por dois anos, não terá dinheiro para ele, mas para a loja”, diz ele, que tem o DNA de comerciante. Os pais já tiveram loja de autopeças, açougue e roupas.
 
A Polo Wear, rede de vestuário, lançada há seis anos, também vê este momento como chance para crescer. Deve chegar a 100 lojas até o final do ano, somente em shoppings.
A empresa nasceu com lojas de 100 metros quadrados e hoje quer focar em áreas acima de 500 metros quadrados. Em alguns dos shoppings que entrou recentemente está em espaços antes ocupado pelas redes Ponto Frio e Casas Bahia.
No shopping Taguatinga, no Distrito Federal, por exemplo, a rede entrou no lugar da loja do Ponto Frio no mês passado. “Como o varejo de eletrodomésticos está em retração no país, surgem oportunidades de espaços que a Polo Wear precisa”, diz César Tanaka, consultor da rede.
 
ILUSÃO
Para ter os lojistas menores em seus espaços e reduzir a queda de rentabilidade e até prejuízo, muitos shoppings estão abrindo mão até da cobrança de luvas e alugando as lojas a qualquer preço, de acordo com Benelli.
“Quando a situação econômica se normalizar, muitas dessas lojas não sobreviverão, pois os custos deverão subir. Com o aumento de demanda, os shoppings voltarão a privilegiar as marcas que atraem maior fluxo e a despejar nas marcas secundárias o custo não pago pelas âncoras”, diz ele.
 
Para que o sonho de ter uma loja em shopping não vire um pesadelo, o lojista tem algumas alternativas para se precaver na hora de fechar contrato com os shoppings.
 
Uma delas, de acordo com Benelli, é fechar um contrato que garanta os direitos em longo prazo. Outra é tornar a marca relevante, como fizeram as redes Chili Beans e a Multicoisas, para que o shopping não queira se desfazer dela.
 
“Agora, isso leva tempo e a crise deve acabar antes. Na minha avaliação, muitos desses lojistas estreantes em shoppings vão acabar entrando mesmo num beco sem saída. Vamos aguardar.”
 
Fonte: Diário do Comércio

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